Poucas pessoas estão na fila.
Talvez quatro ou cinco garotas bem vestidas e falando sem parar.
E eu.

Faço meu pedido no caixa, passando a mão pelo cabelo, que parece nunca querer se ajeitar.
Bato os dedos de leve no balcão, desconfortável como sempre em meio às pessoas.

Até que ela chega.
O cabelo castanho.
As roupas escuras.
A mochila surrada nas costas.
A blusa de frio desbotada.
Os olhos sonolentos.

Perto das outras garotas, é como uma rosa vermelha em meio a várias rosas brancas.
Não que fosse linda demais.
Ou extraordinária.
É apenas... diferente.
Diferente do jeito bom.
Pelo menos para mim.

Está séria.
Vai até a senhora do caixa e pergunta o valor das esfirras que quer comprar.
Abre a mochila e retira as moedas.
Contando devagar, passando pelos dedos.
Como se as moedas fossem joias.
Preciosas.
E as entrega com mãos vacilantes.

Os olhos estão pesados.
Percebo.
Ela vai esperar ao meu lado no balcão.
Sem me ver.
Fica alguns minutos de pé.

Até que encontra uma cadeira para se sentar.
Uma mesa no canto.
Chama a senhora.
- Olha, se meu pedido chegar você me chama? Tô passando mal.
A senhora olha com compaixão.
- Quer um copo d'água?
- Quero sim, por favor.

A feição agora é triste.
Talvez está cansada.
Bebe toda a água, no copo grande de vidro.
A senhora fica esperando por perto para pegar de volta.
E eu observo.

Até que meu pedido chega.
E junto vem o pedido da garota.
Pego os dois e levo até ela.

- Você tá bem?
Ela não esperava um estranho.
Mas parece ser gentil demais para não ser educada.
Aceno afirmativo.
O cabelo balança.
(Será que a franja nos olhos não incomoda?)

- O que você tá sentindo?
- É só um mal estar, não sei direito.
- Talvez seja fome.
(Será que não come há muito tempo?)

- É, pode ser. Vou comer o que comprei agora.
- Isso vai parecer estranho, mas posso te pagar um suco?
Os olhos ficam arregalados.
(Será que sabe que seus olhos são tão lindos?)

Receio.
Medo.
- Olha, não precisa ficar com medo, sou só um idiota querendo fazer alguma coisa legal. 
"Só queria te pagar um suco mesmo."
Dúvida.
Aceno afirmativo.
(Será que está com medo de mim?)

Vou até o caixa.
Pego o suco.
Volto e ela já está comendo.
Pego o que comprei e também como.
(Será que vê o quanto fica bonita mastigando devagar?)

Não falamos nada.
Apenas nos olhamos.
Silêncio.
Minutos.
(Será que percebe o quanto fica linda com vergonha?)

- Tá sentindo esse gosto?
Eu pergunto.
- Que gosto?
Ela.
(Será que vou falar a coisa certa?)

- Um gosto diferente.
"Um gosto de mudança."
"Um gosto de melhora." 
"Como se fosse feito especialmente pra gente."
(Será que entende o que digo?) 

Ela sorri.
Os dentes são lindos.
Aceno afirmativo.
Continuamos a nos olhar.
Sorrindo.
(Será que ela está melhor?
Eu nunca me senti tão bem.)