Era uma vez uma Sombra, perdida em meio ao mundo monstruoso e solitário. Ela não estava ligada a ninguém, nem tampouco a algo, pois era uma sombra esquecida que procurava o tempo todo seu dono e seu lugar. Não sabia o motivo de viver sozinha e nem se recordava o momento em que havia se perdido, mas sabia que sombras foram feitas para existir em conjunto a alguém. Pois a solidão consumia tudo, sejam sombras ou pessoas, objetos ou coisas.

A Sombra tinha consciência de que outras sombras como ela existiam pelo mundo. Mas em uma maioria esmagadora, essas sombras não se achavam perdidas, mas se consideravam sombras livres. Elas gostavam da liberdade, de poder decidir suas próprias ações e poder ir para onde quisessem. Desfrutavam o mundo sozinhas ou em companhia de outras como elas, mas a Sombra sabia que nada poderia aproveitar se não estivesse ligada a alguém.

Outras sombras perdidas também existiam, mas essas eram quase impossíveis de achar. Eram tão perdidas, tão desgarradas do mundo, que se entranhavam nas profundezas de lugares escuros para nunca mais serem encontradas. Mas aquela sombra não queria se esconder, pois ela acalentava uma esperança de que seria encontrada. Era uma sombra diferente, com uma faísca de luz dentro de si, que andava ansiosa pelos lugares por onde passava, sempre com a esperança de ser achada.

Mas o sempre um dia termina, e o sempre um dia tem seu fim. E a sombra procurou tanto, por tanto tempo, que se cansou, com sua esperança murchando como um balão. Ela queria encontrar seu par, mas ele parecia não existir. Ela estava cansada, tão cansada que não aguentava mais. Continuou a vagar pelo mundo até encontrar um poço, um poço escuro e cheio de sombras escuras e frias. Eram sombras negras da pior espécie, com donos terríveis, outras livres e perversas, e todas recheadas apenas por trevas. Mas a Sombra nada podia fazer, pois já não podia ir para lugar algum. Ela não tinha lugar nenhum para ir.

E a Sombra se viu caindo dentro do poço, caindo devagar, em cadência, apenas caindo, caindo. E sua vida perdida, sua vida de busca, passou por sua consciência. Ela viu a injustiça do mundo, de permitir que a Sombra nunca encontrasse seu par. Ela queria ser ajudada, mas não existia ninguém para ajudar. E ela caía pelo mundo, e se contentava com as trevas. Pois nas trevas ela encontrou a escuridão completa. E na escuridão ela encontrou o silêncio. 

E o silêncio era o seu lugar.