Um homem anda pela floresta com passos lentos, passando a mão direita pelo rosto tentando conter as gotas de suor que escorrem queixo à baixo. É um homem comum, sem muito a declarar. Anda pelo verde desbotado pois é o que está habituado a fazer.
The Bloom of the Grape - T. C. Steele - 1893

A floresta é quente, assim como todas as florestas do local. Ele pisa em gramas mortas e pedras empoeiradas, avistando árvores com troncos retorcidos e galhos curtos, que mais decoram a paisagem do que fazem sombra. A respiração é arfante, as roupas estão molhadas de suor e coladas no corpo, os braços têm vergões vermelhos causados pelos galhos finos pendentes no caminho.

Ele chega a um lago no meio da floresta, em uma clareira grande como um salão de festas. O lago é tão pequeno como um poço, mas é tamanho suficiente para que o homem sente no chão aliviado, bebendo a água que brilha ao Sol e a jogando no rosto, tentando refrescar o calor.

Percebe que na borda do lago há uma árvore, maior do que todas as outras. Uma árvore que transmite solidez, que ecoa uma música de coragem pelo mundo. O tronco é maciço como cinco homens, imperando como uma rainha na clareira. Ele levanta os olhos cansados e percebe que não é uma árvore qualquer. Construída em meio a galhos frondosos, há uma casa de madeira, delicada e perturbada como uma criança. O homem pega seu binóculo para observar.

No primeiro quarto da casa na árvore há três pássaros. São pássaros da mesma espécie, por ter a mesma naturalidade e o mesmo canto particular, dando a impressão de nem mesmo fazer parte da floresta. O pássaro dono do aposento mantêm o peito de penugem branca estufado, além de um penacho na cabeça maior do que seria possível e um canto mais alto do que o dos outros. O único pássaro fêmea é encantador e sua penugem brilha, mas canta demais. Canta sem parar e quase não respira. Já o terceiro pássaro é o mais alto, mais franzino e o mais estranho. O homem olha e sente vontade de acariciá-lo entre as mãos. Mas é uma revoada feliz, que canta junto e voa alto no céu logo depois.

O segundo quarto encerra os gatos da floresta. São quatro felinos totalmente distintos, pois cada um é de uma terra longínqua. A gata branca é linda como a neve que nunca existiu no local, com um miado fascinante de ouvir. O gato amarelo quase não se deixa entender, por ter um miado tão singular de um lugar tão distante. Mas leva presentes e comidas debaixo das patas pequenas. A gata malhada mia feroz, reclamando de tudo, mesmo que seja a mais feliz por participar de uma gataria tão animada. Já o gato de pelo grosso é o dono do quarto, mal humorado do nascer ao fim do dia, mas com um coração grande que tenta esconder debaixo do pelo longo.

Por último, o terceiro quarto guarda um animal que não pertence à floresta: um polvo azul. O homem pensa, a princípio, que o polvo está sozinho, até que nota os infinitos tentáculos saindo pelas janelas. Ao seu lado não há ninguém, mas os tentáculos estão distribuídos silenciosos pela floresta e por outras terras, ligados a outros animais e pessoas que pouco percebem. Alguns tentáculos são ligados fortemente, enquanto outras ligações são fracas, e há ainda aquelas que se soltam com o tempo. Mas o polvo está ligado ao mundo e sempre estará, por mais que pense o contrário. O polvo azul acha que está sozinho, sobretudo por ser diferente de todo o resto. Mas não é uma floresta de achismos, e seus tentáculos provam que ele sempre está errado.

O homem abaixa o binóculo e sorri. Um sorriso em nada especial, apenas humano. Ele não é um pássaro, um gato ou um polvo, mas somente um homem, como qualquer outro pelo mundo. Bebe um último gole de água e anda pela floresta. Não sente o toque suave em sua mão, de um tentáculo azul que acaba de lá grudar. Uma ligação que dura o tempo em que o homem consegue caminhar, talvez enquanto o suor escorre pelo rosto.