Primeiro o garoto caiu.
Não que tenha tropeçado.
Ou escorregado em algo.
Caiu porque não aguentava mais andar.

Os joelhos se chocaram no chão.
Com força.
As mãos tentaram conter o impacto.
Mas ele desabou.
Sobre o chão frio.

O garoto ficou estirado na rua por alguns minutos.
O suficiente para o chão congelar sua espinha.
E deixar seu rosto como uma máscara de gelo.
Prestes a se partir em mil pedaços.

E ele escutou o silêncio.
Não o silêncio simples da falta de palavras.
Mas o silêncio do vazio.
Porque nada mais parecia existir no mundo.

Ficou imóvel por alguns minutos.
Tentando se imaginar em outro lugar.
Mas os joelhos estavam sangrando.
E o frio do chão aprofundava em seu corpo.
Fazendo com que se lembrasse de onde estava.

Mas ele ainda queria estar em outro país.
Talvez ser invisível.
Talvez ter outro nome.
Talvez ser alguém diferente.

Então ele se levantou veloz.
Rápido como uma má notícia.
E não era mais um garoto.
Era um tigre.

Um tigre grande e amarelo.
Como os vistos nas savanas africanas.
Um animal sem medo.
Pois tigres não sentem medo.

E o tigre correu.
Pelas ruas.
Sem olhar pra trás.
Urrando pelo ar.

Mas algo escorria pelos olhos do tigre.
Eram lágrimas.
Porque tigres também choram.
E eles também podem ser tristes.

Quanto mais o tigre corria.
E mais as lágrimas escorriam.
Mais o tigre deixava de ser tigre.
E mais com um garoto se parecia.

Não havia escapatória.
Nem para onde correr.
Havia apenas o mar em frente.
E ele pulou.

O tigre já não era um tigre.
Nem era um garoto.
Era uma estrela do mar.
Vermelha como sangue.
Pequena como a mão de uma criança

E esqueceu de quem era.
De sua história.
De seu próprio nome.
De seu sofrimento.

Pois uma estrela do mar não sente medo.
Também não se preocupa.
Nem chora.
E nem mesmo fica triste.

A estrela está no mar para estrelar.
No silêncio dos animais-objetos.
Ficando no chão como ele tanto gostava.
Se movimentando lentamente.
Sem pressa e sem preocupação.

E o garoto-tigre-estrela ficou feliz.
Porque não haviam mais problemas.
Já que não existe nada mais radiante do que a ignorância.
Apenas a consciência do não saber.