Era um domingo preguiçoso, assim como todos os domingos geralmente são. Na fazenda, o céu da manhã estava pintado por um azul claro e tímido, o mesmo tom da camisa do garoto. Nuvens grandes e aparentemente sólidas passeavam pelo alto, fazendo com que ele pensasse em carneiros, dragões ou seja lá o que sua imaginação resolvesse criar. Era o céu de sonhos.

O garoto estava deitado no chão repleto de folhas, debaixo de uma árvore que o acalentava com sua sombra fresca. Ele sentia o vento soprar através dos galhos das árvores, que balançavam como se dançassem. Era a dança das árvores.

Em meio à dança, folhas secas e flores caíam sobre o garoto, trazidas pelo vento que se tornava cada vez mais forte. Poderia ser algo incômodo, mas não para o garoto. Ele levantava seus braços e os balançava no ar, tentando tocar o que caía sobre ele e acompanhar o ritmo suave e hipnotizante. Era a chuva da floresta.

O garoto estava na fazenda da família, que há muito não visitava. Uma fazenda modesta e sem luxos, mas grande e respeitável o suficiente para encher a família de orgulho. Eles iam até lá apenas de tempos em tempos, e não davam o devido valor que um local rico em natureza como aquele merecia. Era a família coração de pedra.

Havia a casa com teias de aranha, o curral silencioso e uma escada de pedra que subia a montanha. Havia a cachoeira, árvores a perder de vista e o rio com água pura. E ainda havia um casebre abandonado, que décadas atrás pertencia ao caseiro. A porta de madeira estava podre e os vidros das janelas estavam quebrados, com plantas crescendo continuamente pelas paredes de pedra e diversos animais habitando seu interior. Era a casa dos morcegos.

A era de ouro da fazenda já fora consumida no decorrer dos anos. Os primeiros donos envelheceram e morreram, quase todos os filhos criaram raízes cinzentas em meio à cidade e os netos pouco se importavam com a natureza. Era a geração do descaso.

A família se orgulhava da fazenda pelo simples fato de possui-la. Gostavam de olhar para o papel e ver o nome da propriedade impresso em letras garrafais, logo acima de seus nomes assinados e indicando posse. Mas eles não eram proprietários do rio, da cachoeira, da floresta ou dos morcegos. Não eram e nunca seriam. Era a propriedade da natureza.

Em meio à cobiça humana e à corrosão do tempo, o local perdurava. Um dos sobreviventes era o garoto da camisa de céu, deitado debaixo da árvore que a ninguém pertencia, apenas a ela mesma. O garoto era um dos mais preguiçosos que se tem notícia, mais preguiçoso do que o domingo, e pouco fazia para ajudar o verde e o azul. Mas ele sabia e se importava. Era o garoto ciente.

Ele pensava tudo isso enquanto estava deitado na colcha de retalhos no chão, evitando que terra, pedras pontiagudas e formigas do chão o incomodassem. Ele poderia até tentar modificar ou evitar o que havia a sua volta, mas aquele não era seu lugar e nem nunca seria. Era o deslocado.

O garoto fechou os olhos e sentiu o vento mais uma vez. Ele viu que nada possuía, que nada podia modificar. Mas ele estava vivo, assim como tudo o que se encontrava ali, e um dia ainda encontraria sua finalidade. O garoto pertencia a tudo aquilo. Ninguém possuía nada, mas todos se pertenciam. Era o universo particular.