A imagem de um palhaço, com metade do rosto em alegria e sorrisos, e a outra metade em tristeza e lágrimas, é algo muito difundido. Como dito popularmente, grande parte dos palhaços são tristes. Viver para fazer os outros rirem, se cobrando o tempo todo para aparentar felicidade, não deve ser algo fácil. É por isso tão explorado esse lado sombrio dos profissionais do humor, que por baixo de toda a fantasia e a maquiagem, disfarçam uma tristeza intensa e uma vida recheada por problemas. Não é assim a vida de todos?

O filme Obvious Child, de 2014, da diretora americana Gillian Robespierre, trata em grande parte desta questão. A personagem principal é Donna Ster, uma comediante stand-up que até consegue arrancar risadas de seu público, mas que tem como único palco o bar de um amigo também comediante. Nessa vida sem grande glamour de humorista, a situação de Donna se torna ainda mais crítica quando seu namorado, Ryan, termina o namoro no banheiro do bar, ao fim de um de seus shows. 

A vida de Donna, que já estava longe de ser considerada estável, foge ainda mais de suas mãos depois do término do namoro, levando a mulher sempre feliz com a vida a uma situação pouco habitual de tristeza. Em uma noite de bebedeira dias depois, Donna encontra Max, homem acanhado com seus mocassins, que de tão diferente, acaba se mostrando o par perfeito. 

O filme possui uma premissa clara: nada mais, nada menos, do que a vida de uma comediante. Dizer mais seria contar muito da história e estragar o filme, mesmo que dizer menos possa passar a ideia de que seja algo simples ou rudimentar demais. Mas nessa hora, prefiro me omitir. O filme é divertido, fascinante e envolvente demais para ser questionado antes de ser assistido. Mais vale ver Obvious Child sem influências externas, como eu fiz, e se surpreender e se encantar com a delicadeza de todo o desenrolar da trama.

Além de Donna, em meio a uma história divertida e cativante de presenciar, o filme conta também com ótimos personagens secundários, que preenchem o cenário em um desfile de ótimas personalidades. Max é o típico jovem nerd, tímido e contido, que pouco parece ter para compartilhar, mas que ao lado de alguém tão incomum quanto Donna, aparece com seu próprio lado curioso para balancear toda a insanidade que o casal produz. A melhor amiga de Donna, Nellie, é tão divertida quanto ela mesma, funcionando como a voz de sua consciência. E ainda temos o amigo dono do bar, Joey, as divertidas aparições dos pais de Donna, e Sam, interpretado por David Cross, em pequena e engraçada participação.

A atuação de Jenny Slate, intérprete de Donna, preenche todo o filme e encanta do primeiro ao último minuto. A atriz é divertida e convence com suas muitas expressões, em uma personagem que poderia ter caído em estereótipos e futilidades, mas que se mostra envolvente e extremamente interessante de visualizar. Muito me espanta a atriz ser um tanto desconhecida e ter apenas atuado em filmes pequenos, como Alvin e os Esquilos 3, e feito algumas participações em séries, como Parks and Recreation. Mas com uma atuação tão solidamente construída, espero que no futuro a fama esteja em conjunto com seu grande talento.

A trilha sonora do filme é um encanto à parte. A música Obvious Child, de Paul Simon, lançada em 1990 junto ao grupo brasileiro Olodum, dá nome ao filme e se apresenta como a composição perfeita para a história de Donna. O batuque agitado e cheio de vida do grupo brasileiro, junto à voz suave e o toque de violão delicado de Paul Simon, a princípio tão diferentes e impossíveis de se correlacionar, revelam a explosão de sentimentos e emoções que parece existir no interior de Donna. A cena em que a música toca, com Donna e Max cantando e se divertindo no quarto, é para mim a melhor cena do filme. 

Obvious Child é o filme de estreia de Gillian Robespierre, que foi derivado do curta de mesmo nome, lançado em 2009 pela mesma diretora e roteirista. A obra se apresenta como uma comédia romântica, mas das comédias românticas habituais passa muito além. É um filme alternativo e indie, estilo tão popular hoje em dia e que tanto me chama atenção, pela complexidade em roupas aparentemente tão simples. Um filme sobre alegrias, sobre tristezas, mas em sua maior parte, um filme sobre a complexidade de emoções que todos possuem dentro de si.