O garoto estava sentado debaixo da árvore da esquina
Sentindo o vento em seu corpo.
O cabelo a balançar no azul.
A pele arrepiar devagar.

Em meio a um arrepio longo.
Que fez todo seu corpo tremer.
Levanta e começa a andar.
Andar devagar e de cabeça erguida.
Nuages blancs, ciel bleu - Engène Boudin - 1859

Passa em frente a sua casa e a mãe grita:
"Vem pra casa, menino!"
Ele finge não ouvir.
É melhor não olhar para trás.

Começa a cantar enquanto anda.
Cantar, não.
Cantarolar.
Uma música que desperta algo dentre dele.

O garoto passa pela vizinha da casa à esquerda.
Que estava varrendo o passeio.
Seus olhos se arregalam quando vê o garoto.
A vassoura cai no chão.

Ela está séria.
Séria demais.
Mas se junta a ele e começa a andar.
Também com música nos lábios.

Surge um mendigo.

Vem mancando junto a eles.
Deixa os trapos e as misérias para trás.
E começa também a cantarolar.

O número de pessoas vai aumentando enquanto andam.
Algumas dezenas.
Ou centenas.
Juntos a andar.

Velhos, crianças e adultos.
Com um único propósito.
Colocar um pé em frente ao outro.
E sempre continuar a marchar.

Era uma marcha.
Uma, não.
A marcha da cidade.
A marcha da vida.

Todos marchavam e cantarolavam.
E a música não era apenas um som.
Mas um ser a mais.
Que formava uma bolha em torno de todos eles.

A música cresceu e chegou até o céu.
Alcançando os pássaros.
E as nuvens brancas que dançavam.
Com o azul ficando mais forte.

As pessoas começaram a flutuar dentro da bolha.
Erguidas pela música que ecoava alto.
Mas voavam juntas.
Porque o cantarolar os unia.

Um pássaro desavisado chegou pelo céu.
E esbarrou na bolha.
Que estourou com um barulho alto. 

As pessoas piscaram.
E começaram a cair no chão.
Devagar e sem sobressaltos.

Mas não o garoto.
Que continuou a flutuar cada vez mais alto.
Sozinho.

Porque a música não veio para ele com a marcha.
Ele possuía a música dentro de si.
Que continuou a erguê-lo.

Ele subiu alto, alto demais.
Até que desapareceu no ar.
E uma estrela surgiu no céu onde foi visto pela última vez.