Era uma vez um inseto.
Feio, sujo e retorcido.
Vivendo no submundo da humanidade.
Escondido em um buraco escuro.

Tentava não ser visto.
Assim como tentava não ver.
Mas havia um grande problema.
Gostava justamente de ver.

O inseto adorava esticar os olhos.
Descortinar o resto do mundo.
De seu lugar privilegiado.
No buraco fétido da existência.

Via a beleza e a felicidade.
Avistava toda a grandiosidade do firmamento.
Observava os outros em uma harmonia constante.
E sabia apenas se encolher. 

Ver a grandiosidade o atingia forte.
Pois se sentia cada vez menor.
Cada vez pior.
E percebia que não era como os outros.

Isso doía em sua pequenez.
Fazendo-o se sentir mais feio.
Intensamente mais sujo.
Absurdamente mais retorcido.

O inseto não possuía nada.
Dispunha apenas de seu buraco.
Possuía apenas sua solidão.
E gozava apenas de sua tristeza.

Mas não conseguia não olhar.
Porque tudo o que estava do lado de fora.
Era o que não possuía.
Mas era o que mais queria ter.

Até o dia em que resolveu sair.
Saiu do buraco num impulso.
Correndo desesperado, desenfreado.
Como um inseto louco.

Na verdade não correu.
Se arrastou.
Pois insetos como ele se arrastam pelo chão.
Deixando, devagar, uma gosma para trás.

Mas o caminho pouco percorreu.
Pois um ser maior e mais forte surgiu.
O que não era difícil de encontrar.
Sendo todos maiores e mais fortes do que ele.

Uma pisada o inseto recebeu.
Uma massa escura no chão se formou.
Uma pasta mais podre do que antes.
Uma mancha ainda mais difícil de olhar.

E em seu choro silencioso no chão.
Com as tripas a se espalhar pela terra.
O inseto viu o céu azul como nunca havia visto do buraco.
Um céu que sempre quis ter por perto.

E o inseto gemeu até o fim.
Pois se gemer era tudo o que fazia em vida.
Gemer seria tudo o que faria em morte.
Gemer e se lamentar.

E em seus olhos quase mortos.
O céu foi se tornando vermelho.
Azul, vermelho.
Vermelho, azul.

Em sua mancha de morte.
Um último suspiro soltou. 
Morreu por gostar demais de olhar.
Morreu sem ter o sabor de possuir.

Morreu ainda sonhando.
O sonhar o tirou do buraco.
E o deu forças para se arrastar.
Mas o sonhar não o salvou da pisada.

Os piores sempre morrem.
Ainda mais os insetos.
Que nasceram para serem pisados.
E morrer.