Era uma menina como outra qualquer. Gostava de conversar com flores, mas não era Alice atrás do coelho branco. Cantava "Somewhere Over The Rainbow" quando se sentia triste, mas não era Dorothy pela estrada de tijolos amarelos. Adorava doces e acreditava em bruxas, mas nem tampouco era Maria na trilha de farelos de pão.

Era apenas uma menina do mundo, que brincava, chorava e se divertia, e que um dia começou a se tranformar em uma flor. Contava com 12 anos de idade e estava sempre com um livro de histórias em mãos, lendo avidamente. Falava demais, estudava o tempo todo, era mais inteligente do que deveria. Os óculos eram tão grandes que a faziam parecer uma pequena abelha.

Sem motivo aparente, acordou com os cabelos lisos coloridos por um rosa escuro. Um tom de rosa bonito, que a deixou feliz e contribuiu para que fosse motivo de assunto na escola. Sempre a nerd introvertida da turma, de roupas apagadas e desinteressantes, foi levada ao estrelato e passou a ser notada. Esse foi o primeiro sinal da transformação.

O segundo sinal foi o perfume. Para onde ia, um perfume doce e profundo de rosas a acompanhava. O cheiro parecia funcionar como ímã para o sexo masculino, embora fosse motivo de inveja para o mundo feminino. Mas a Menina Flor passou a desfilar pelos corredores da escola e da vida para chamar atenção. Essa foi a parte feliz.

Logo veio a parte triste, quando um tom de verde musgo despertou em seus pés. Começou no dedo mindinho e logo se espalhou para todo o pé, subindo até os tornozelos no desenrolar dos dias. A menina lembrava-se da tia-avó, com os pés cheios de micose e com aquela mesma cor entre os dedos. Mas sua situação era muito mais crítica, principalmente quando o verde passou para as pernas e tingiu todo o resto do corpo.

Então vieram as folhas e os espinhos. Eram folhas pequenas e delicadas, que se soltavam da pele e caíam pelo chão. Eram bonitas de se ver. Só não era bonito ter espinhos e não poder aproximar-se de ninguém.

O pior foi começar a encolher. Ao contrário de suas amigas, que se tornavam mais esguias a cada dia, ela foi diminuindo cada vez mais. Pois flores não têm mais de um metro de altura, pelo menos não a Menina Flor.

Todos esses sinais apareceram no início, durante duas longas e misteriosas semanas. Depois do período, tudo se tornou exagerado, e os pais da menina decidiram deixar o caso para Deus e se esqueceram da filha. Ela ficava apenas na janela do quarto tomando Sol e chuva, e não precisava de nada além para sobreviver. Em meio a tanto sofrimento, essa era uma das partes boas.

Um dia, a Menina Flor reuniu as últimas forças e fugiu de casa. O rosto já não era um rosto, mas um amontoado de bonitas pétalas cor de rosa, com dois olhos cada vez menores, desaparecendo em meio a tudo aquilo. O corpo já estava completamente verde, e braços e pernas começavam a se unir ao corpo. De resto, estava tomada pelas folhas e espinhos.

Ela saiu mancando pela rua, penando para andar com as pernas quase grudadas, mas conseguiu entrar em um ônibus que passava pela  esquina. Ela estava pequena demais para ser notada, com cerca de 30cm de altura. O único fato perceptível era o perfume, que levava à mente dos passageiros imagens de jardins, casamentos e dias de verão.

A menina se sentou no último banco do ônibus, e lá ficou sem saber para onde ir ou o que querer. Os pensamentos desapareciam e o corpo terminou de se juntar. Em seu último minuto, o sorriso estava em seus lábios. Já não era menina, era flor.

Uma velha senhora entrou no ônibus e foi para o fundo. Já ia pegando um livro na bolsa para ler quando sentiu o perfume no ar. Olhou para o banco ao lado e viu a rosa, uma rosa diferente de qualquer outra. Era pequena, era delicada, era linda. Ela a pegou devagar, com cuidado, e a cheirou profundamente. O cheiro era maravilhoso. A velha então pegou a flor e a colocou entre o seu livro, como marcador de páginas. Pois algo que sempre gostara na vida era ter uma flor perfumada para marcar suas histórias. E sorriu, assim como a menina iria sorrir se pudesse, pois para sempre estaria em meio aos livros que amou durante toda a vida.