O cenário é Nova York, e o ano é 2001. Celulares ainda estão começando a ser usados, e a troca de mensagens pela internet dá seus primeiros sinais de inovação. Pelas ruas de Manhattan, em um trânsito caótico e desordenado, jovens correm de patins entregando mensagens personalizadas. Esta é uma das poucas formas de transmitir notícias e mensagens no início do século, uma vez que Facebook e WhatsApp não existem, e até mesmo o telefone é algo que nem todos podem usufruir.

Entre os funcionários da Agência de Mensagens Personalizadas, um deles se destaca. Não por ter apenas 16 anos, ser especialista em entregar más notícias (como mortes, doenças ou atrasos), ou por ser o melhor no que faz. Heller Highland é diferente de todos os outros pois não usa patins para entregar as mensagens, mas faz a entrega de bicicleta. O garoto corre veloz pelas ruas da Big Apple, indo até a casa ou o trabalho dos clientes em tempo record, sendo ovacionado pelas pessoas que passam pelas ruas e o veem todos os dias, mas odiado por policias e motoristas de carros.

A Cidade em Chamas, de Ariel e Joaquín Dorfman (pai e filho, respectivamente), leva ao público o mundo cheio de sonhos, desejos e vontades de Heller Highland. O mais fascinante do garoto é sua facilidade de entregar más notícias, com uma característica que ninguém mais possui: sensibilidade. Algo tão simples, que parece tão fácil de achar, mas que poucas pessoas possuem. Heller sabe como lidar com o sofrimento de desconhecidos e confortá-los, mas não sabe lidar com as próprias dificuldades. É a partir dessa premissa que a história se desenvolve.

O garoto mora com os avós enquanto os pais viajam pelo mundo em causas humanitárias, e diz para todos que namora Silvia, uma jovem garçonete de um café. Mas essa jovem nem mesmo o conhece, e é fruto de um amor platônico. Em sua vida monótona, que ganha cor apenas nos momentos em que Heller corre de bicicleta, ele vê seu mundo mudar quando entrega uma mensagem a Salim Adasi. Vendedor de livros vindo do Oriente Médio, ele apresenta ao garoto uma série de outros personagens e o estimula a viver a vida como ela deve ser vivida. A história é envolvente e bem escrita, mas é uma pena que possui uma série de falhas e não cumpre tudo o que promete.

Antes de mais nada, é preciso destacar a questão dos refugiados e imigrantes ilegais no livro. Por nenhuma questão aparente, a maior parte dos clientes de Heller são refugiados ou imigrantes ilegais. Talvez por experiência própria dos próprios autores, uma vez que Ariel Dorfman nasceu na Argentina, foi exilado no Chile e se mudou para os Estados Unidos, enquanto Joaquín nasceu na Holanda e mora em Nova York.

A situação de refugiados e imigrantes, que procuram uma vida melhor na América, é um tema interessante e que poderia ser bem abordado mesmo com uma visão juvenil no livro, mas é tratada de forma extremamente rasa e superficial. Nós vemos os personagens, eles passam constantemente pelas páginas, mas pouco sentimos sobre suas experiências. Faltou mais profundidade e um gancho para que o tema fosse debatido de forma mais clara. São tantos personagens, que passam tão rápido pela história, que seus nomes são até difíceis de lembrar.

A falta de profundidade, aliás, é o que mais compromete o livro. Faltou explicar melhor sobre Heller, que vive apenas em função da Agência de Mensagens Personalizadas, e parece nunca estudar ou ter amigos. Seu sonho de correr em uma corrida de bicicletas é citado algumas vezes, mas esquecido no desenrolar dos capítulos. Seus pais e avós pouco importam, e as histórias de todos os personagens passam rápidas demais e parecem não ter grande importância.

Mas nem tudo está perdido em A Cidade em Chamas. O subtítulo do livro é "Sempre surge uma mensagem a mais", o que se analisado em um contexto geral, pode ter sido bem executado. Mesmo que superficialmente, os personagens realmente mostram que todos possuem histórias para contar, e não são apenas clientes de uma agência de mensagens. Salim é o exemplo perfeito, que aceita a mensagem de Heller e reage a ela entrando em seu mundo. O homem muda a vida do garoto e o torna alguém melhor, fazendo com que ele saia de sua concha e veja tudo o que merece de bom. Aquela velha história clichê, mas que pelo menos foi bem feita no livro.

A ideia principal de Ariel e Joaquín Dorfman, sem dúvida, é a do calor do mundo e a da cidade em chamas. A vida não para, o mundo está sempre em constante expansão, e mesmo que você esteja parado, alguma coisa está acontecendo em algum lugar. Todos passam por momentos de tristeza, de alegria, de desilusão e decepção, e isso durante todo o tempo, pois o mundo está vivo. A cidade está em chamas... A cidade sempre está em chamas.

Não sei exatamente qual é o motivo do livro não ter dado certo. Talvez por ser uma história infanto-juvenil, os autores preferiram não entrar em maiores detalhes. Grande erro. É um livro fácil e divertido de ler, mas decepciona por não passar de uma leve distração. Faltou chamas e faíscas ao livro, essas chamas tão faladas durante todo o tempo na história.