De: Marina Vilhena
Para: Mateus Calazans

Mateus,

Por tantas vezes sentei para te escrever, organizando mentalmente pensamentos e assuntos. Mas não o fiz. Por ironia de não tê-lo feito, aqui estou eu achando que você já sabe de tudo e aguardando por uma resposta. 

Escrevo de casa, da casa dos meus pais. Está tão quente que me dá um torpor, só começo a funcionar no fim da tarde. Perco quase o dia inteiro e cada vez mais me atraso com o que deveria estar estudando para a monografia. Agora só me restam uns três meses e não fiz nem o mais trabalhoso: as entrevistas. Quase desisto só de pensar em enfrentar o trânsito desse Rio de Janeiro, mas me prometo que até o mês que vem já terei começado essa parte. 

As fotos para a formatura já tiramos, foi diferente colocar aquela beca. Nem preciso falar do calor de matar, né? Mais de 40º. A parte das fotos no estúdio é bem chatinha, tem todo um ritual. Mas fico pensando, Mateus, do que vou levar dessa faculdade. Não de conhecimento, isso é muito e garantido, mas de gente. Enquanto tirávamos as fotos, ficou bem evidente os grupinhos de amigos. 

E mais uma vez eu pensava: que gente cansativa. Dali, gosto de uns poucos, mas não passam de colegas. Pessoas que você quer ver bem, mas que não cabe a vocês um relacionamento, sabe? Amigas são duas: Vivi e Ariana. Essas eu carrego comigo. E de professores... não vou me esquecer do Márcio, do Eduardo, da Andréia, da Raquel... Mas são duas as que me marcaram de maneira especial, Consuelo e Gabriela. Sei lá porquê te conto isso. Já que te falo de professores e falávamos de assessoria, aqui no Rio ela é bem criticada, como se fosse o lado ruim da profissão de jornalista. Acho algo totalmente infundado, porque tanto o jornalista quanto o assessor defendem os interesses e têm as suas restrições dentro do veículo e empresa em que trabalham.

Aconteceu algo muito chato há mais ou menos um mês. A Gabriela é a nova professora de assessoria, entrou há pouco, concursada, como todos. Antes ela já dava aulas de outras matérias como professora substituta. Apesar dos 30 anos, ela fez graduação, mestrado e doutorado na mesma faculdade que estudo. Ou seja, é da casa e é super competente. Acontece que o jeito dela desagradou a uns tantos, que tiveram a ousadia de discutir durante a aula com ela e, em outro momento, reclamar com a direção em nome da turma. Sim, da turma! E ninguém sabia. Falaram besteira: que ela falava mal de assessoria, que não dava a matéria, fazia muitas piadas e tá-tá-tá. Ah, essa não é a minha turma, eu peguei a matéria depois, atrasada.  

O último dia de aula, quando só foi quem realmente queria, já que era só a correção da prova, foi bem triste. Eu já estranhei o comentário quando ela chegou, me viu e perguntou: "Você me disse que não é dessa turma, não é Marina?". No fim, ela agradeceu a nossa presença e falava, contando tudo isso que te disse e muito mais, mas chorando bastante e soluçando baixinho. Foi a minha tristeza maior da graduação ver aquela cena, Mateus. E só de me lembrar do momento, começo a chorar de novo. Porque a Gabriela foi a minha alegria de fim de faculdade, quando eu achava que já estava tudo esgotado por lá. Sabe o que é ir feliz para uma aula que começa às 8h? Pois é. Eu ia às quartas, quintas e sextas. E me entristeceu muito mais todas as mentiras descaradas. 


Diante de todos os professores que temos, ela é de longe uma das mais organizadas e responsáveis, dedicada. Toda certinha. Foi uma das aulas que mais aprendi. Me entristece que ela tenha escutado tanta coisa que não deveria. E ainda levou uma bronca do diretor e etc, acredita? Como se fosse uma decepção. Nos dois momentos, deixei bem claro para ela o que eu achava, por e-mail. E nesse dia do choro não aguentei, levantei quando ela parou de falar e fui dar um abraço nela. Ela estava sentada chorando, arrumando as coisas, eu sentei ao lado e toquei nela. Quando me viu, sorriu e agradeceu quando recebeu o abraço. Fiquei feliz. 


Depois me escreveu, dizendo que o apoio de quem estava lá tinha sido fundamental. Ainda escreveu assim: "Obrigada pelas palavras e pelo carinho. Pessoas como vc fazem valer a pena. O resto é resto. Muito obrigada mesmo. De verdade.". Em outro momento, disse que eu fui "um desses encontros felizes em sala de aula e fora dela". Pode parecer o maior besteirol desimportante, mas eu sou assim mesmo. Me importo muito com algumas pessoas e quero o bem delas. Do mesmo modo que tem gente babaca que não se preocupa em como afeta a vida dos outros, acho que todos nós precisamos de pessoas que nos relembrem o porquê de tudo isso, dessa imensidão. Presunção achar que eu sou essa pessoa, muita mesmo. Mas tento fazer um pouquinho por quem gosto. 

Talvez por isso eu venha pensando muito em encontros, especialmente nos últimos dias. Encontros que temos na vida, de pessoas que se cruzam despretensiosamente e descobrem no outro um lugar para se estar. Pode ser uma estadia breve, mas houve presença. Essa é, para mim, das mais fortes importâncias da vida. Desse mundo não me importa muito, só as pessoas amadas, você me entende? 

Outro dia estava saindo de casa, mas tive que esperar dentro do prédio por mais de dez minutos pela minha família. Quando saí, estava na minha frente justamente a Gabriela, de passagem por aquela rua. Não acredito muito em coincidência. Acho que simplesmente nós deveríamos nos encontrar. Talvez isso já estivesse programado, sei lá por quem. Deus? Se eu saísse segundos depois, teríamos o desencontro. Mas houve a felicidade do nosso encontro. E como isso me fez bem. 

E a viagem para o acampamento já rolou? E como foi a despedida na Band? Teve retorno dos currículos? E os amigos? Tenho visto bastantes fotos de vocês. Me atualiza da sua vida. Eu falei tanto, mas tanto, que não sei se tudo isso cabe no blog. Mas uma hora vai caber, na próxima resposta eu prometo que serei mais breve. Essa ainda foi um treinamento, hahaha.

Beijo grande e se cuida,
Marina.

De: Mateus Calazans

Para: Marina Vilhena 

Querida Marina,


Sentar e ler suas palavras têm sido ações tão frequentes e prazerosas nos últimos dias que quase sinto você ao meu lado, contando sobre sua vida, seus sonhos e sua rotina. É um pouco triste pensar que você está aí no Rio, tão longe de Minas, e que não podemos nos ver como seria o ideal para amigos como nós. Mas ao mesmo tempo é algo engraçado, pois nossa amizade funciona tão bem que, se morássemos na mesma cidade, talvez não déssemos o devido valor à nossa amizade. Vai saber.


Por aqui, a vida anda corrida e atribulada além do necessário, e nunca senti a faculdade tão pesada como estou sentindo agora no 5º período. Duas disciplinas se destacam no terror dos meus dias: Economia Brasileira e Política e Comunicação. Em Economia, venho acumulando notas terríveis, simplesmente porque a matéria é confusa, desinteressante e impossível de ser fixada na mente. Política, por outro lado, tem sido a pior matéria de todo o curso porque a professora tem a pior didática que já vi na vida, é extremamente grossa e gosta de humilhar os alunos. Onde estão as disciplinas fáceis e os professores amáveis do primeiro período? Por favor, não diga que tudo piora ainda mais com a monografia, como todo mundo costuma dizer, hahaha. Aliás, conseguiu diminuir o trabalho acumulado? Fez as entrevistas que precisava?


Sabe, Marina, você fala sobre estar preocupada com as amizades que vai levar da faculdade para a vida. É complicado estarmos em meio a tantas pessoas, durante quatro longos anos de curso, e pensar que quase todas elas são apenas colegas que provavelmente nunca mais veremos na vida. E mais: a maioria nem faremos questão de ver, de tão cansativos e irritantes que são, como você bem disse.


Acho que por isso devemos nos apegar forte a esses amigos que nos deixam felizes, a esses professores que nos animam durante as aulas, a essas companhias que, mesmo passageiras, deixam nossos dias melhores e especiais. Alguns deles podem preencher nossa vida por muito tempo, enquanto outros podem permanecer apenas por alguns dias ou poucas horas. Mas sobram os momentos, que guardamos na mente e, sobretudo, no coração.


Já comentei com você algumas vezes sobre minhas divagações, conflitos internos e devaneios dramáticos sobre meus amigos. Mas quer saber de uma coisa? Acho que tudo faz parte. Eu prefiro ficar triste por estar longe deles, do que ficar triste por não ter amigos. Se hoje dramatizo a vida porque estou sozinho em casa e longe de todos, amanhã estaremos juntos em momentos que não esquecerei nunca.


Eu não sei exatamente se vou levar esses amigos para a vida toda, e digo isso no sentido de manter contato com eles para sempre. Por mim, juntaria todos bem perto, para nunca mais perder. Mas a vida é tão difícil, tão complicada, tão corrida, não é? Quando a faculdade terminar, cada um vai seguir por um ramo diferente do Jornalismo ou até mesmo por outras áreas, quem sabe. Muitos podem sair de BH, tornando os encontros quase impossíveis. E o inevitável: os ciclos sociais também vão mudar, e os amigos da faculdade podem se tornar apenas parte do passado. Mas algo é certo: essas lembranças que venho colecionando nos últimos anos, durante o curso, ninguém será capaz de tirar de mim, por mais situações que eu viva.


Você falou sobre sua professora e toda a situação absurda vivida. O pessoal na faculdade é sempre tão irritante, não é? Ridículo como eles fazem esse tipo de coisa sem pensar nas consequências. Poderiam ter arruinado a vida da professora e gerado um estrago enorme, não dá pra entender o que passa na cabeça dessa gente. Eu 
lamento que isso tenha acontecido, mas pelo menos vamos ficar contentes por você já estar formando e não vai precisar conviver com essas pessoas por muito tempo. Além disso, aposto que a vida está guardando algo brilhante para a Gabriela, pois pessoas como ela merecem apenas o melhor.

Acho que você tem que ficar muito feliz por ter conhecido uma pessoa tão incrível. Não é legal quando conhecemos alguém assim, com quem nos importamos e sabemos que se importa conosco? E o fato de vocês terem se encontrado por acaso, na porta do seu prédio, é mais um sinal de que guardam uma ligação forte e que deve ser mantida. Eu não sei se é destino, Deus, sorte ou seja lá o que for, que
 faz com que esse tipo de situação aconteça. O que sei é que esses acasos surgem em nossas vidas em alguns momentos, e devemos aproveitar cada segundo. É só fechar os olhos e imaginar que algo, ou alguém, proporciona esses encontros felizes, principalmente nos dias difíceis e tristes.

A despedida na Band não teve. Lá o pessoal não é muito disso (pelo menos não para estagiários, ou pelo menos não para mim, haha). Foi algo meio conformativo, já havia avisado com antecedência. Eu sou meio reservado, como você bem sabe, e criei laços apenas com poucas pessoas. Sinceramente, não sinto a mínima falta, já havia chegado a hora de deixar o lugar para trás, sabe? O bom é que menos de uma semana depois de sair, já encontrei outro estágio. É uma agência de Comunicação Integrada, que tenho gostado bastante de trabalhar. Vida que segue.


Sobre o acampamento, foi no final de semana passado. Aconteceram tantas coisas, foram dois dias tão felizes, que eu poderia encher páginas e mais páginas do blog sobre o assunto. Mas já me alonguei demais, e é melhor conversarmos sobre isso com calma na próxima carta. Só digo que teve fogueira, música, cachoeira, ar puro, natureza e por aí vai. Na hora da partida, eu e meus amigos estávamos extremamente cansados, o corpo dolorido e fatigado, os olhos sonolentos pela noite mal dormida. Mas era o tipo de cansaço bom, aquele cansaço
 do corpo, de tarefa finalizada, de objetivo cumprido. É bem o contrário do cansaço da mente, causada pelo estresse, pela correria, pelo nosso dia a dia turbulento. Mesmo sem as comodidades da vida urbana, é impossível não nos sentirmos mais vivos quando somos apenas nós e a natureza. Por mais dias assim em nossas vidas.

Com carinho,

Mateus.