A garota sempre olhava o quadro,
pendurado frouxo na parede,
por um prego enferrujado e torto.

Mostrava uma fazenda antiga
casa, varanda, cerca
floresta densa e lua cheia.

Feita de madeira escura
a casa estava enfeitada
com velas santas e bandeiras coloridas.

Na varanda havia uma festa
onde pessoas bebiam cerveja escura
e comiam carne sangrenta.

A velha balançava em uma cadeira
o homem apalpava sua amada
a mulher da vida dançava de olhos fechados.

Três jovens solteiras sorriam para os jovens ricos
o gorducho comia mais do que todos
o cachorro roía um osso do tamanho de sua fome.

Dois casais dançavam apaixonadamente
uma adolescente ria sem parar
um gato preto passeava calmamente.

A floresta envolvia a tudo
com suas árvores altas de um verde comedido
folhas revoando ao vento.

Crianças corriam por detrás da cerca
pisando na grama com vontade
e usando máscaras de lobo.

Era um quadro feliz
de uma beleza própria
que mais parecia um paraíso.

O cenário atraía a garota
como um vaga-lume é chamado pela luz
pois na fazenda ela gostaria de estar.

Ela olhou o quadro de sua vida
seu cotidiano sem graça e sem gosto
suas tristezas e arrependimentos.

Ela não possuía opinião sobre nada
não entendia nenhum assunto
guardava um medo tremendo por tudo.

Nunca havia ninguém por perto
nem uma festa para ser feliz
apenas lobos vorazes em seus sonhos.

A garota resolveu colocar a mão no quadro
desejar para dentro dele entrar
para sempre ser feliz.

Ela colocou a mão sobre a tela
e sua mão entrou no quadro
acompanhada pelo corpo que desapareceu.

Seu irmão chegou e estranhou
que uma garota igual sua irmã
estava no quadro sem graça da parede.

Mas a garota no quadro estava sozinha
longe de todos, longe da festa
com olhos tristes e desamparados.

Pois era uma garota realmente ridícula
que não pertencia àquele quadro
e nem a qualquer outro lugar.

Seria uma garota deslocada e triste
para onde quer que fosse
em quadro ou sem quadro.