Não é um homem e nem mesmo um jovem. É só um menino assustado, que daria tudo para se esconder debaixo da cama ou deitar no colo da mãe nos momentos em que sente medo. E ele sente medo o tempo todo.

Tem medo de altura, muito medo mesmo. Não é um simples medo de voar de avião ou pular de para-quedas, mas uma fobia intensa até mesmo quando sobe em passarelas para atravessar a rua ou entra em apartamentos que ficam acima do quinto andar. Morre um pouquinho todos os dias quando tem que passar pela passarela para pegar o ônibus até o trabalho, mas ele vai vivendo e tentando combater tudo isso (sem muito sucesso).

Morria de medo de dormir quando era criança. Simplesmente não entendia como o ato de dormir funcionava (ainda não entende), e achava que poderia dormir e nunca mais acordar. Hoje em dia deita na cama e tem vontade de nunca mais levantar. Às vezes.

Como a vida é uma vadia sacana, ele consegue enxergar em sua bola de cristal imaginária duas possibilidades: morrer caindo de algum lugar muito alto ou dormindo. Prefere, com toda certeza, a segunda opção.

Ele tem medo de conversar com pessoas desconhecidas, de cama desarrumada, infecção urinária, etc etc. Resumindo, ele tem medo de tudo e de todos, melhor não nos alongarmos muito nessa questão. Ele já está ficando com medo de falar sobre isso.

Mente sempre, principalmente para não sair de casa. "Não posso, vou sair com um primo/colega"; "Não vai dar, tenho que ir no supermercado/lavar roupa/arrumar casa"; "Até queria, mas estou sem dinheiro": se ouvir uma dessas frases (ou variantes), suspeite.

Não pense mal do menino, ele não mente por mal. Se não sai é porque sabe que não vai se sentir bem no lugar para onde está sendo chamado. Simplesmente não quer chatear os outros falando que não quer sair com eles.

Vive dizendo que não tem tempo para nada, mas arruma tempo pra fazer tudo o que mais gosta e tem vontade. Já leu em pé para não dormir e terminar o livro, comeu/se arrumou no meio do filme para conseguir ver tudo, já saiu e chegou em casa às 7h, para ir na aula às 9h30.

Quando está triste, sua cara muda, seu astral muda, sua aura muda. De duas, uma: ou as pessoas acham que ele está com fome, ou que está estressado. Então inventa uma dor de cabeça imaginária, pois nunca gosta de desabafar ou demonstrar suas tristezas perto dos outros. Sempre que finge uma dor de cabeça, ela acaba doendo de verdade. Aliás, sua cabeça nunca dói, só depois que mente.

Chora muito vendo filmes, escondido em seu quarto. O mais engraçado: não filmes tristes, mas felizes. Acho que é emoção demais para um ser humano depressivo ver aqueles finais com pessoas sorrindo, amigos se reencontrando e casais felizes para sempre. Ele sabe que sua felicidade está um tanto longe, e o THE END tem um significado totalmente diferente no mundo real. E mais: ninguém nunca o viu chorando.

O menino acha que é a pessoa mais idiota do mundo (e com razão). As pessoas vivem tentando convence-lo de que é até alguém legalzinho de se conviver, mas ele sabe que são palavras vazias e sem sentido. Pode até não ser, mas ele continua achando. Enfim, não tem amor próprio e carrega uma confiança menor do que a de um pepino em conserva.

Pelo menos os pepinos sabem para que existem: para serem odiados pele menino (e comidos por pessoas com gostos duvidosos). Ele não sabe para que veio ao mundo, e acha que nunca vai saber. Por isso tem sempre a sensação de "primeiro dia no Ensino Médio", "ET esquecido na Terra" e "início da detenção no sábado". Piores sensações do mundo. 

Não tem nenhuma habilidade manual, mas pelo menos tenta e gosta de chegar até o fim. Pode não saber pintar, mas se está em um grupo e precisa fazer isso, vai se empenhar feito Picasso (e fazer um trabalho digno de uma criança de cinco anos). Se precisa cortar uma batata, vai passar as próximas horas cortando (talvez os dedos), mesmo que a humanidade morra de fome na espera.

Odeia tudo em seu corpo, principalmente mãos, pés, cabelo, barriga, dentes... o que gosta mesmo é de sua pele, que estica quando puxa (herança de quando era gordo na infância).

É tímido que dá até pena. Evita olhar nos olhos das pessoas, odeia falar em meio a várias pessoas (seja familiares, amigos ou desconhecidos) e tem pânico de apresentar trabalhos na faculdade. O olhar das pessoas o amedronta, e ser olhado o deixa desconcertado. Tudo o que sabe desaparece de sua mente e tem a sensação de que vai desmaiar. Um sonho: falar em público com tranquilidade.

Sempre pensou que pertencer a um grupo é sinônimo de felicidade. São cinco no Clube, três cantando no desfile no meio da rua e sete seguindo as pistas até o tesouro de Willy Caolho. É por isso que os dias mais felizes em sua vida foram aqueles em que estava com um grupo de amigos, seja conversando no intervalo da aula, pulando um muro ou conversando e bebendo pelas ruas durante a madrugada. Pena que hoje, quando está em grupo, tem a sensação de não pertencer a ele. Outra das piores sensações.

Vive dizendo que é a pessoa mais triste do mundo (e pode até ser em determinados dias), mas no mais é até bem feliz. Seja conversando no WhatsApp com seus amigos virtuais, saindo para beber com os amigos da faculdade, conversando no meio da aula com os amigos da sala, lendo livros ou vendo filmes e séries. O que acontece é que os momentos tristes parecem ser mais intensos do que os felizes, daí ele se esquece deles.

Já teve mais amigos virtuais do que vai ter pessoalmente na vida. Aliás, seus melhores amigos são virtuais. Pena que já conseguiu perder a maioria deles. Verdade da vida: 99% das amizades da internet desaparecem.

Adora escrever sobre livros e filmes, mas odeia ler críticas e resenhas dos outros. Acha que qualquer informação pode ser spoiler, e prefere ler/ver sem o mínimo de dados possíveis. E o principal: morre de preguiça da opinião das pessoas, e desdenha de todas elas. Por isso se sente um hipócrita por escrever sobre esses assuntos, e decidiu dar um tempo com isso (daqui a dois dias muda de ideia e volta a escrever).

Assim como Djalma, não entende nem um pouco de política. Até tenta, se esforça, mas política vai além de sua área de entendimento. O maior problema é que política não é algo exato. Talvez tenha sido com Maquiavel, Rousseau e Marx, mas hoje é algo instável, estranho, sem sentido, e só funciona na cabeça de quem já tem ideologias próprias. Política reúne fanáticos, e tudo o que ele mais odeia nessa vida são fanáticos.

Já ficou calado perto de amigos e colegas por um tempo específico, apenas balançado a cabeça em sinal de afirmação e negação para ver o que acontecia. Resultado: ele fala tão pouco no dia a dia, que pode ficar em silêncio por vários minutos sem que ninguém perceba ou ache estranho.

O menino gostaria de saber falar direito, gostaria mesmo. Tem inveja dessas pessoas que falam sobre tudo, que tem pelo menos um domínio moderado da língua. Ele mal consegue formar uma frase inteira perto dos outros. A verdade: não fala porque não consegue se expressar falando, e tem muito medo de falar besteira. O problema: ele sempre fala besteira.

Como não tem confiança e amor próprio, e o resto do mundo têm, acha que todos querem aparecer mais do que os outros. Por isso, odeia a maior parte das pessoas. Até queria gostar delas, mas as acha tão irritantes, debochadas, cheias de si, que ele não quer nem chegar perto.

Lembra sempre de quando era criança e era considerado o mais legal, o mais inteligente, o mais engraçado. Ele não sabe para onde foi tudo isso. Na verdade, sabe sim: tudo isso se perdeu quando cresceu, e percebeu que não era e nem nunca seria tão bom quanto os outros. Decidiu parar de tentar.

Odeia futebol e todos os esportes em geral. Nunca soube chutar uma bola com precisão, não sabe torcer, não sabe comemorar um gol ou um ponto, não tem habilidades físicas, é fracote. Isso já explica tudo.

Quando criança já era contagiado pela fantasia de filmes e livros, e por isso desejava e sonhava coisas extremamente estranhas para a vida adulta: ter 12 filhos e morar em um castelo.

Fez a coisa mais absurda que uma pessoa poderia fazer: começou a cursar Jornalismo porque gosta de escrever. A verdade é que Jornalismo vai muito além disso, e ele só percebeu isso tarde demais. Mas ele continua e vai tentando fazer o máximo que pode. Pena que é a pessoa mais preguiçosa do mundo, e provavelmente vai se tornar um jornalista pra lá de incompetente.

Tem carteira de motorista, mas nem lembra como dirigir. Ficou traumatizado quando dirigia por uma avenida com a mãe e o irmão, o carro apagou e ele não conseguiu mais dar a partida. Não aguentou o olhar das pessoas nos outros carros, o desdém do irmão, a falta de paciência da mãe. Sabe-se lá quando vai voltar a dirigir. Talvez nunca.

Joga e aposta com as horas. "Se os minutos estiverem em um número par, não vou morrer esse ano". "Se conseguir comer até um horário ímpar, vou sair de casa". Simples assim. É um falsário: continua perguntando e apostando até sair a resposta (ou número) que deseja.

Uma série de outros fatos sobre o menino estão por aí, sem ninguém para ouvir ou se importar. Ou fatos que ele não lembra, não sabe como dizer ou quer esconder. Resumindo tudo sobre o menino: ele é estranho.