Copos sujos e rachados, bancos altos de madeira e porções generosas de mandioca e torresmo. Assim era o bar onde encontrei o garoto de olhos tristes. Tímido e solitário, parecia pouco à vontade entre cervejas e conversas altas, mas substituiu a postura retraída por um olhar suave após poucos minutos de conversa.

– Eu nasci triste. Se não gostam, então que me curem de uma vez – explicou ele, sorrindo. A expressão era irônica, de quem sabia possuir uma tristeza sem remédio e de quem era um ladrão de frases cinematográficas. Achei melhor deixar passar que já havia escutado a frase em um filme francês desconhecido por aí.

Enquanto conversávamos, percebi que ele não sabia contar histórias, mesmo que eu não consiga exatamente dizer por qual motivo. Faltava a ele um certo ar de narrador, uma postura imponente capaz de prender o público, além de elementos importantes para tornar a história envolvente, como humor nas palavras, olhos sedutores, um tom de suspense na voz e gestos expressivos.

Seja lá qual for o motivo, assim que sua boca era aberta e as palavras começavam a fluir pelo ar, um bocejo coletivo surgia entre os ouvintes e todos deixavam de prestar atenção. Naquele dia, porém, o garoto iniciou uma história interessante, que jurava de pés juntos ter realmente acontecido. Não coube a mim julgar, apenas escutar com curiosidade.

Em um dia qualquer, lá estava ele no trabalho. Como todos os dias normais em sua vida, os olhos estavam sonolentos, a mente cansada de tanto escrever textos inúteis no computador, o estômago se revirando querendo estar em qualquer outro lugar. Os colegas de trabalho eram soberbos, preconceituosos e inclinados à escândalos pelas mínimas novidades. Por isso, ele preferia ficar calado e sozinho a maior parte do tempo.

Quando saiu para almoçar, solitário e chutando pedras pela rua, deixou as chaves caírem no meio do caminho. Ele era distraído, desengonçado e desastrado.

– Todos os piores adjetivos possíveis, os mais negativos que você puder imaginar. 

Quando se abaixou para pegar as chaves, que possuíam um chaveiro grande e desconfortável de bússola, outra mão inesperada foi junto para ajudar. As mãos se encontraram. As mãos se tocaram. As mãos conversaram. Era uma garota.

Ele levantou seu rosto e olhou para ela, surpreso. Jovem, 18 ou 19 anos. Pele morena, olhos verdes, cabelos castanhos ondulados. Boca fina, sorriso bonito. O tipo de pessoa que passava a impressão de já ter uma opinião formada sobre tudo.

– Eu poderia ter agradecido e saído andando pela calçada cheia de folhas. Ela poderia ter dado um sorriso e continuado seu rumo pela cidade. Mas começamos a conversar e acabamos almoçando juntos.

O feito inédito não ocorreu graças a uma coragem repentina do garoto, nem uma decisão de deixar a timidez de lado e mudar de vida. Ele só ficou paralisado e incapaz de tomar qualquer atitude no início, como acontecia em todas as suas relações com seres humanos. Trocaram amenidades, discutiram o calor, debateram golpes políticos, e ela acabou o convidando para almoçar ali por perto.

O almoço foi feito em um carrinho de cachorro quente, com direito a pão, salsicha, purê de batata, farofa, bacon e ovo de codorna. Os dois sentaram em bancos de plástico amarelo e começaram a falar sobre a vida, o universo e tudo mais.

– Sujei minha testa de farofa e deixei o ovo cair no chão, com os sons da risada da menina soando enquanto eu ficava vermelho de vergonha – disse o garoto, que não narrou detalhadamente a conversa durante a refeição como seu ouvinte curioso gostaria. Ele apenas fechou os olhos à minha frente, tomando mais um gole de cerveja, e relembrou aquele momento com um sorriso no rosto.

Depois do almoço seria a hora da despedida. Eles pararam frente a frente, suando sob o sol quente, na esquina em que se encontraram pela primeira vez. Ele passava a mão pelo rosto e jogava o cabelo para o lado, sabendo que ele nunca ficaria arrumado. Ela batia o pé esquerdo ritmicamente no chão e tentava arrumar a blusa que estava torta no corpo.

Os dois poderiam se despedir com um abraço apertado, um beijo no rosto, um aperto de mão, um aceno sem graça. Eles poderiam fazer tantas coisas naquela tarde como todas as outras do ano, mas a garota disse:

– Gostei de você. Vamos sair por aí, sem rumo e sem destino?

Simples assim. E não houve minutos para pensar. E não houve tempo congelado, trilha sonora soando ao fundo, nem rufar de tambores. Aquele momento, segundo o garoto, era a vida real. Ele não queria perder nem um minuto sequer e nem esperar uma segunda chance.

Ele agarrou o braço da moça e os dois saíram correndo pela rua, com o sol batendo em seus rostos e as pessoas da calçada desviando-se dos corredores irrefreáveis. Nessa hora a música começou a tocar em suas mentes, aquela que diz que “você é a melhor coisa em mim, e a melhor coisa que já aconteceu a um menino”. Eles foram rindo e conversando rua afora, quase sendo atropelados ao atravessar a rua, mas estavam felizes.

O garoto não pensou no trabalho, pois aquele buraco negro que sugava suas forças e sua vitalidade nada importava para ele. O garoto não pensou na faculdade, pois ela há muito não fazia sentido ou possibilitava conhecimentos duradouros. O garoto pensou apenas em sua mãe, mas ela o amava e iria entender se ele saísse sem rumo por aí.

– Foi então que comecei minha viagem. Eu só voltaria para casa depois de 71 dias, 5 horas e 28 minutos; depois de ver um amigo morrer, perder toda a roupa do corpo e ficar frente a frente com um fantasma.

Mas eu não sei como tudo isso aconteceu, e nem poderei narrar o fim da história. No dia em que encontrei o garoto, naquele bar, naquela hora, seu celular tocou uma música fúnebre e ele precisou ir até a rua para atender. Após alguns minutos, voltou com o rosto branco e os olhos vidrados, dizendo que precisava ir embora. Matou a cerveja, matou a conversa e partiu.

Talvez o garoto e a garota tenham saído e passado a noite inteira viajando. Quando o cansaço batesse à porta, iriam se hospedar em um hotel mal-assombrada e dormiriam pouco em meio aos fantasmas. Seriam assaltados e perderiam tudo o que tinham. O garoto chamaria um amigo para acompanha-lo em suas aventuras, e ele morreria de gripe após 60 dias. A dupla original, então, voltaria triste para casa.

Talvez eles tenham saído de ônibus e o veículo tenha quebrado no meio do caminho. Eles teriam ficado decepcionados ao verem seus sonhos frustrados e jogados na lama, se despedindo sem demora. O menino teria ido morar temporariamente com parentes, precisado comprar roupas novas, visto seu cachorro ser atropelado por um caminhão e virar fã assíduo de filmes de terror.

Talvez o garoto tenha mentido em suas considerações finais e eles simplesmente tenham saído de carro e viajado pelo mundo afora, conhecendo várias pessoas. Tomariam o próximo navio do porto para cruzar os sete mares e lutariam contra monstros marinhos, e pegariam um balão vermelho para dar a volta ao mundo. Eles teriam sido felizes durante todo o tempo que estiveram juntos, e vai ver estivessem juntos até mesmo no dia em que o encontrei no bar.

Ou talvez toda a história do garoto tenha sido um sonho, e nada mais do que isso. Talvez ele seja tão perturbado, tão louco, que seus sonhos e sua imaginação seja tudo aquilo que ele possa ter de bom nos bares da vida.

Mas não importa o que eu pense, o que eu ache ou o que eu acredite. Não importa se a história do garoto é formada de verdades ou ilusões. Eu vi seus olhos, seu sorriso e toda a vida que existia dentro dele. Ele havia encontrado a garota, de um jeito ou de outro, e algo havia acontecido. Ele estava feliz.

É por isso que toda sexta-feira, às 19h30, vou até o mesmo bar e sento no canto mais escuro. Entre uma cerveja e outra, tento desvendar a história do garoto. Eu espero.