Para um bom escritor de histórias de terror, meia palavra basta para assustar os leitores. Quando a narrativa une crianças, monstros e pesadelos infantis, em um cenário paradisíaco com casas de praia, neve abundante e segredos à espreita, a escrita encontra as peças certas para superar expectativas. Mas sem a condução adequada, esses elementos se perdem no desenrolar da narrativa e deixam de fazer sentido. “O Menino que Desenhava Monstros”, de Keith Donohue, é a prova de que histórias de terror não são tão fáceis de criar.

Em uma pequena cidade dos Estados Unidos, Jack Peter, conhecido como Jip, é um garoto de 10 anos diagnosticado com Síndrome de Asperger, o que o faz temer sair de casa e ter contato físico ou interagir com outras pessoas. Como revela o próprio título do livro, Jip aproveita seus dias desenhando monstros assustadores, mas a brincadeira não é tão inofensiva como é para outras crianças. Quando seres estranhos começam a rondar pela vizinhança, assemelhando-se às criaturas desenhadas por Jip, seus pais passam a desconfiar de que os esboços do filho podem não ser tão inocentes quanto aparentam.


Apesar de acertar na seleção de elementos para sua história, Keith Donohue peca ao criar um clima de terror pretensioso demais que força o leitor a sentir medo a qualquer custo. Para isso, parte de comparações fracas e excessivas, como dizer que dois garotos cozinhando são “um par de bruxas em torno de um caldeirão fumegante” e que um mingau derramado “escorreu e se espalhou como sangue”. Esta é uma prática comum na maioria dos livros, seja qual for o gênero, mas nesse caso gera estranhamento e não cumpre seu papel graças à repetição excessiva.

Quanto aos personagens, faltam a eles a capacidade de cativar o leitor ou despertar a curiosidade. Jack Peter é misterioso e assustador, mas seus sentimentos não são aflorados e sua apatia pelo mundo anulam qualquer afeição do leitor, apesar de ser o personagem com maior potencial. A mãe, Holly, é uma mulher irritante que parece se aborrecer com tudo e todos constantemente, dedicando uma grosseria desnecessária principalmente ao pai de Jip. Tim, o pai, talvez seja o mais interessante do trio, mas passa a maior parte do tempo tendo más decisões. O amedrontado Nick, melhor amigo de Jip, e seus pais bêbados, Nell e Fred, protagonizam as cenas mais divertidas e agradáveis do livro, mas são tão curtas e secundárias que deixam de ter significado.

Outro ponto que deveria acrescentar algo ao livro, mas que falha por desviar a atenção dos acontecimentos principais, é o mistério do navio naufragado desvendado por Holly. Na praia próxima à casa da família, a mulher descobre que um navio naufragou séculos antes e todos os seus tripulantes morreram. Holly passa grande parte do livro perdida nessa história, tempo que poderia ser melhor aproveitado se dedicado a explorar todas as facetas do enredo principal.

Apesar dos elementos que faltam ou deixam a desejar, o livro é agradável e bem feito no que diz respeito à sequência de seus acontecimentos. Ao mesmo tempo em que Jip parece ser ele próprio um monstro em posse de desenhos malignos, fica a dúvida se não é apenas um garoto que não sabe o que está fazendo e quais segredos obscuros esconde. O final é inesperado e fecha bem a história, ainda que a exposição de mistérios não seja suficiente para salvar o livro.

O que salta aos olhos durante toda a leitura é o potencial cinematográfico de “O Menino que Desenhava Monstros”. Todos os seus pontos negativos, se adaptados nas telas, trariam apenas características rotineiras de filmes de terror. Basta colocar um garoto endemoniado, um punhado de monstros criados em CGI, pais superprotetores e histéricos e está formado um filme para quebrar recordes de bilheteria. Talvez quando chegar ao cinema os monstros de Jack Peter façam mais sentido.