Cinco anos depois

Você esteve distante por cinco anos. Cinco anos é muito tempo, porra. Em quase uma década você até aprendeu a falar palavrão, olha só. Aliás, acho que essa foi uma das poucas coisas que você aprendeu nesse período. Na verdade, você mal aprendeu, só solta uns palavrões avulsos de vez em quando pra parecer descolado. Deixa eu contar uma coisa: eles só soam estranhos e inadequados saindo da sua boca, nada mais.

Você agora está velho e cansado. Tudo bem, você tem “só” 31 anos, mas o peso da vida já está jogando você no chão. Os cabelos estão ficando brancos. A barba está ficando branca. Os cabelos estão caindo. Você se sente cansado com mais frequência. Começou a tomar antidepressivos por não aguentar o trabalho e a vida. Você só sabe se lamentar e dizer que não aguenta mais. Até quando vai isso?

Eu li por alto seus últimos pensamentos, que os cinco anos me fizeram esquecer. Cinco anos é um tempo da porra, mas parece que você continua se sentindo o mesmo que era em 2020. E em 2016. E em 2014. Eu já disse isso por aqui, mas vou repetir essa frase que não lembro o autor: “Muita coisa aconteceu, mas nada mudou. Ou será o contrário? Muita coisa mudou, mas nada aconteceu”. Os anos passaram e eu juro que não continuo não sabendo a diferença.


Na sua mente, você ainda é um garoto. Um garoto estranho, sem amigos, que se sente sozinho o tempo todo e se machuca. Você não é mais um garoto, mas tudo o mais continua valendo. Será que quando você for realmente velho, com seus 70 anos, você ainda vai manter a mesma mentalidade de garoto? O irônico é que, provavelmente, você não vai suportar chegar aos 70 anos.


Você lembra quando chegou nessa cidade e não conhecia ninguém? E quando conheceu, se sentia deslocado, fora de lugar, não compreendido? Os últimos anos deram a você bons amigos, experiências, vivências. Mas você continua se sentindo deslocado, fora de lugar, não compreendido. Como pode a vida ser assim? Nunca vai mudar?


Seus amigos não são Gordie, Chris, Teddy e Vern, correndo atrás de um corpo de um garoto em um trilho de trem. Eles não são Mikey, Gordo, Dado e Bocão buscando o tesouro de um pirata. Eles não são porque eles são de carne e osso e não são histórias contadas em livros ou em telas. Eles existem, com todas as imperfeições que eles têm a oferecer. Por que você não aceita isso? Cara, você não é mais criança.


Acho que você não aceita porque se sente feliz em ser infeliz. Essa é a verdade. Acho que você só vive de verdade sendo infeliz. Veja só: cinco anos depois, aqui está você. E como está? Infeliz. Você só consegue viver e sentir sendo infeliz. Por que você não apareceu antes, em momentos em que estava “feliz”? Porque quando tudo está bem, você não tem nada a dizer. Você não sente. Você não vive.


Isso aqui já significou o mundo pra você. Hoje, nada significa nada. Livros são apenas livros, séries são apenas séries, filmes são apenas filmes. Uns 10 anos atrás, essa era sua tríade do prazer, da alegria. Agora, não passa de horas e mais horas para adiar o inevitável. Será que o inevitável está virando a esquina?


Não quero me estender muito porque perdi o hábito com as palavras. Quanto mais escrever, pior, sem sentido e melodramático vai soar. Mas talvez eu volte com mais frequência. Se você não está bem, eu não estou bem. E se não estamos bem, temos muito o que dizer.

A falta de palavras

Caro amigo,

Estou sentado no trabalho vendo o tempo passar, sentindo dores nas mãos, cotovelos e costas graças à cadeira desconfortável. As pessoas da empresa conversam de forma exaltada na sala ao lado, conjeturando sobre a infância no passado, a política atual e cenários pessimistas para o futuro. Presenciei a discussão em seu início, mas logo saí de fininho por não ter muito o que dizer sobre as temáticas.

Minha incapacidade de conversar sobre qualquer assunto sempre foi uma das características que mais odiei em mim mesmo. Passei tantos anos querendo discursar frente aos outros e participar de conversas animadas que, agora, só consigo pensar em tamanho sofrimento gerado por tal perda de tempo.

A queda do protagonista

As cortinas da história seriam abertas em uma noite fria de dezembro, descortinando uma casa escura e lúgubre onde uma chaminé despejava fumaça negra pelo céu. Seu interior escondia o protagonista, de pele morena, olhos observadores, cabelo crespo e uma boca grande e vermelha. Próximo à data de partida para longe, com as costas pesadas pelos 30 anos recém completos, ele estaria amargurado com a vida e o mundo, sentindo pelo corpo os efeitos de uma semana incessante usando todos os tipos de drogas possíveis.



Peça 1 - A família excêntrica da cidade

O quebra-cabeça de Joaquim da Costa
Peça 1: A família excêntrica da cidade


Muito tenho a contar sobre minha infância, passada na cidade de Luz, no interior de Minas Gerais. Em um município com menos de 20 mil habitantes, onde nada acontece, as pessoas tendem a ser caricaturas de si mesmas e vivem suas vidas ao sabor dos dias, dedicadas a colecionar posses inúteis e sem se importar muito com o resto do mundo. Mas ao contrário de meus conterrâneos, desde cedo aprendi a me preocupar com outras questões além da material – e iria me preocupar mais do que devia, aliás.

Assim como toda cidade interiorana, Luz guardava dois lados distintos de uma mesma moeda. Por um lado, era o paraíso por seu silêncio, segurança e tranquilidade, por suas ruas desprovidas do trânsito infernal das capitais e por oferecer a possibilidade de sentar do lado de fora de casa, em um banco feito de tronco de árvore cortado, e conversar por horas com os vizinhos; por outro, era o inferno por seu silêncio constante, por suas ruas desprovidas de qualquer atrativo cultural e pela impossibilidade de sentar do lado de fora de casa sem ser importunado pelos vizinhos. É por isso que me apaixonei imediatamente pelo anonimato proporcionado pela cidade grande quando finalmente deixei Luz.

A chegada do jovem

Querido amigo,

Muitos meses se passaram desde minhas últimas palavras. Por anos, sua presença foi o remédio para um coração doente e um abraço apertado para a solidão, sendo impossível imaginar sequer a possibilidade de deixa-lo de lado. Mas assim que a temporada de tranquilidade chegou, as folhas murchas e doentes voaram para longe e percebi que havia afastado o ombro amigo que tanto acalentou meus dias. Por essa e por todas as falhas, peço desculpas.

Apesar de ter percorrido dias tranquilos e ensolarados, estaria mentindo se dissesse que nos últimos meses não tropecei em pedras, tanto britas quanto monólitos. A verdade é que percorri um caminho trilhado por infortúnios, pela vontade de desaparecer, de me machucar e pela consciência de que tudo estava perdido. 


Um orgasmo com “Elogio da Madrasta”

Certa vez, Kafka disse a um amigo: "No fim das contas, penso que devemos ler somente livros que nos mordam e piquem. Se o livro que estamos lendo não nos sacode e acorda como um golpe no crânio, por que nos darmos ao trabalho de lê-lo?”. Obras clichês nos confortam, mas sem aquelas que nos incomodam e nos fazem pensar, perdem seu caráter primordial. Mario Vargas Llosa, escritor peruano ganhador do Nobel de Literatura, convida os leitores sempre ao raciocínio e à reflexão, com livros como “Travessuras da Menina Má” e “Pantaleão e as Visitadoras”. Já em “Elogio da Madrasta”, o autor mescla o pensamento crítico ao incômodo, causando asco, assombro e, principalmente, prazer.

O terror ausente em “O Menino que Desenhava Monstros”

Para um bom escritor de histórias de terror, meia palavra basta para assustar os leitores. Quando a narrativa une crianças, monstros e pesadelos infantis, em um cenário paradisíaco com casas de praia, neve abundante e segredos à espreita, a escrita encontra as peças certas para superar expectativas. Mas sem a condução adequada, esses elementos se perdem no desenrolar da narrativa e deixam de fazer sentido. “O Menino que Desenhava Monstros”, de Keith Donohue, é a prova de que histórias de terror não são tão fáceis de criar.

Em uma pequena cidade dos Estados Unidos, Jack Peter, conhecido como Jip, é um garoto de 10 anos diagnosticado com Síndrome de Asperger, o que o faz temer sair de casa e ter contato físico ou interagir com outras pessoas. Como revela o próprio título do livro, Jip aproveita seus dias desenhando monstros assustadores, mas a brincadeira não é tão inofensiva como é para outras crianças. Quando seres estranhos começam a rondar pela vizinhança, assemelhando-se às criaturas desenhadas por Jip, seus pais passam a desconfiar de que os esboços do filho podem não ser tão inocentes quanto aparentam.